Merkavah
– Então?
– Espere.
– Fale homem!
O silêncio do velho foi a resposta. Com olhar severo indicou que não o molestassem.
O imperador retirou-se engolindo seu ressentimento diante do olhar do bruxo.
***
– Aqui estou majestade! – apresenta-se Duk, o velho bruxo.
– Espero que me traga boas novas ou pelo menos uma boa saida para as adversidades que possa encontrar nesta campanha – comentou o imperador enfadado pela demora.
– Majestade, o oráculo foi benevolente contigo – falou com voz compassada, friamente calculada.
– Então?
– Bem, as varetas me disseram que as mutações estão ocorrendo ao teu favor meu mestre. Nas atuais circunstancias poderias derrotar um exercito com paus e pedras de tanto que brilhas – disse o velho, sabedor do caminho mais fácil para o coração do imperador. Bajulação! Percebia com tristeza o quanto havia se acostumado rapidamente a ela.
– Pensas assim? – inquiriu o governante, já em tom mais suave, com um sorriso que não soube esconder.
Jovem estúpido, pensou o bruxo, em nada assemelha-se ao pai, velho amigo.
Uma certa amargura o tomou, diante da lembrança de Felipe, “o arrebanhador”.
Nos tempos do velho reinado, tudo era guerra, até que o arrebanhador chegou ao trono, levado pelas circunstâncias, que o colocaram em evidência na batalha, exatamente no momento em que o reino ficava sem governante. Aclamado com herói e sendo ele a única esperança dos aristocratas de se manterem no poder, evitando um levante popular, chegou ao trono aos trinta anos e governou com justiça e sabedoria até sua misteriosa morte aos noventa e três.
Primeiro seu pai, agora você, mas seu pai foi muito mais difícil e doloroso, pensou o velho olhando de soslaio para o jovem e arrogante imperador.
– Claro, majestade é evidente para qualquer um que sois um grande estadista. – respondeu ao perceber que deixara seu mestre esperando.
O imperador pareceu compenetrado por alguns instantes.
– Muito bem! Vamos empreender mais esta campanha de conquistas para nosso grandioso império. Mesmo que para alguns pareça uma batalha perdida, eu vencerei! Não vencerei? – perguntou ao bruxo precisando de mais um empurrãozinho para o abismo.
– Vencerá, mestre. Vencerá! – o velho Duk, não pode deixar de sentir uma certa tristeza ao fazer aquilo, mas era o que devia ser feito.
***
09:18 do centésimo primeiro dia.
– Então?
Desta vez Duk não falou, limitando-se a olhar para o jovem Felipe II.
Novamente o rapaz foi aguardar as notícias na sala do trono.
Alguns minutos depois o velho chega e interrompe um beijo que o garoto dava em uma das muitas criadas que lhe faziam favores.
– Maldição! Já te pedi para não entrares assim. – reclamou.
– Perdoe-me mestre, mas tenho coisas importantes a lhe falar. – fez uma pausa, aguardando até que o imperador/rei/general ficasse no ponto.
– Desembuche!
– Bem, fiz a consulta, desta vez usando cascos de tartaruga, e a resposta foi contundente. Deves empreender o ataque ainda dentro deste decênio e serás vitorioso. Deves atacar pelo norte, pois teu inimigo tem dificuldades nesse setor.
– É! Eu pretendia acabar com eles pelo setor norte. Mais alguma coisa?
– Sim. O Livro da Mutações recomenda que o forte use de toda sua astucia e genialidade nesse empreendimento e diz que ao final o lago será do homem que cruzar o deserto. – tudo balela sabia o velho.
Palavras cuidadosamente escolhidas e estava feito. O ponto do impasse era uma vasta região sem estrelas que podia ser comparada analogicamente, a um deserto e o objeto da cobiça do jovem era um planeta azul que poderia facilmente ser comparado a um lago. Duk sabia que Felipe ligaria os pontos como desejado.
– Então devo liderar, eu mesmo, esse ataque e garantir nossa chegada triunfal a Terra. Eles vão aprender a nos respeitar. O Império das Pleiades chegará finalmente a sede do governo da Confederação do Sol e instalará seu trono em plena ilha da páscoa. – o jovem parecia estar com febre. Transpirava na fronte e tinha os olhos arregalados.
– Certamente.
– Agora deixe-me, velho. Preciso tomar muitas providências.
O velho bruxo retirou-se. Mais uma vez, ele tivera que agir.
***
09:48 do último dia de campanha.
Tudo aconteceu como previsto.
O I Ching estava certo, mais uma vez.
O jovem foi massacrado pelo velho. O fraco teve sua chance e o lago permanecerá seguro além do abismo.
Duk lamentava pelo rapaz. Gostava dele, apesar de sua arrogância e falta de inteligência, mas a única forma de evitar séculos de barbárie por toda a galáxia era salvar a confederação e deixar o Império das Pleiades cair em desgraça.
Lágrimas correram dos olhos de Duk. O segundo Felipe morto por suas ações, mas tinha de ser assim, pois assim estava escrito no maasseh merkavah.