Gênesis

ainda-sobre-o-estado-minimoUm forte estrondo ecoou no céu, este se encheu de luz e a madrugada tornou-se mais clara que o dia e o calor mais arrasador que o sol.

Tudo terminara, e a cidade sob a grande nuvem já não passava de escombros espalhados no chão. Um solo acidentado pelo amontoado de pedras, porém estranhamente plano.

O pássaro da morte que ali pousara não era o único de sua espécie. Outros como ele, mais poderosos talvez, vieram em seu vôo sarcástico alojar-se em todos os cantos do mundo.

Aquele lugar, onde outrora existira uma cidade luminosa, quente, alegre, viva, era apenas um vago exemplo do fim que chegara, o mundo acabara. Não a matéria em si, mas a vida que nele fartamente existia.

O silêncio mortal era quebrado apenas pelo vento que ria sadicamente da ingenuidade humana.

O vento também se calou, um pequeno deslizar de pedras ocorreu, seguido de outra pedra, e outra. Um vulto levantou-se, olhou ao redor e viu o campo imóvel como seus olhos, incapazes de expressar o tormento de sua alma.

Sua mente conturbada reteve um pensamento, seu corpo estremeceu, e ele novamente indagou a si mesmo. Sabia ser impossí­vel, era irreal tudo o que via e ele próprio também. Como poderia ter sobrevivido ao holocausto que ali se sucedera? Como?

Caiu de joelhos, sentia seu corpo e a leve brisa quente que passava, tocou o chão, sentiu as pedras e o calor que destas emanavam.

Era real, ele vivia.

Compreendeu então que a pergunta não era como sobrevivera.

Levantou os braços aos céus, e sua voz irada se fez ouvir: “Por que?” “Por que?”

Em meio às lágrimas que corriam em sua face, tentava compreender em vão.

Ali ficou até que os primeiros raios do sol começaram a tingir o céu com suas cores vivas.

Sabia que nada mais restava ali, levantou-se e começou a caminhar na direção onde o sol despontava. Já não chorava mais, sentia em si um ódio maior do que a dor, amaldiçoava a humanidade.

Caminhou dias e noites seguidos sem cessar, tinha sede, não sentia mais fome.

Sua mente ainda guardava a imagem horrenda da destruição e o imaginava a todo instante estirado no chão com o corpo ressequido pela sede.

Deparou com um pequeno lago, correu na direção dele e lá jogou-se sorvendo ansiosamente o lí­quido que lhe tocava o rosto.

Ali ficou por horas sentindo o frescor da água. Era noite, o sol já se preparava para nascer, notou que alguma coisa se aproximava dele por detrás das rochas. A penumbra começava a se dissipar, conseguiu distinguir um vulto que seguia em sua direção, este chegou bem perto, a jovem mulher o olhou sorrindo; levantou-se, o seu corpo estava coberto com o barro da lagoa, aproximou-se dela e sua beleza angelical deixou-o perturbado.

Havia uma mancha de sangue na altura de suas costelas, estava ferida, e em volta de seu pescoço um pequeno medalhão preso a uma correntinha trazia a inscrição: “EVA”. Surpreso, perguntou-se se aquele era o seu nome, ela respondeu que sim e também perguntou o nome dele.

O homem, incomodado com o barro que colara em seu corpo, olhou para longe observando os primeiros raios que começavam a encher o mundo em uma nova manhã, permaneceu calado um instante, ela tocou-o, ele virou o rosto e fitando-a nos olhos respondeu apenas: – “Adão”.

MigX

Engenheiro, funcionário público, metido a escritor e ilustrador... Publicou na Quark, Scarium e e-nigma. Membro fundador da Oficina de Escritores, vem tentando sua própria jornada do herói na vida, e a viagem do escritor, nos blogs e na OE.

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