A Casa na Montanha
Estavam todos na casa grande. O dia frio e chuvoso os privara das alegrias do exterior. Lá fora as nuvens encobriam a maior parte dos rochedos no alto da montanha, não deixando transparecer o que se passava lá em cima.
Enquanto buscavam diversão jogando e tomando drinques, o dia passava lentamente. A temperatura caíra bastante. O lago, logo abaixo, estava imóvel. Parecia um espelho negro a refletir o céu nublado.
Um sentimento estranho tomou o coração de Luzia, que decidiu recolher-se, na esperança de que aquela tristeza profunda a abandonasse.
Os demais – Bárbara, Gabriel e Lucas – resolveram jogar cartas e tomar vinho. A noite já chegara há umas duas horas e o jogo continuava. O vinho quase no fim.
Luzia viu-se cercada por árvores. Olhou no entorno, tentando divisar algo conhecido, mas nada encontrou.
Não compreendia como chegara até ali. O profundo sentimento de opressão não a abandonara. Fazia muito frio. Ela estava com roupas leves e podia sentir o contato da relva úmida com seu corpo.
Um calafrio intenso lhe subiu pelas costas. Uma forte sensação de estar sendo observada. Queria correr, mas algo a impedia.
Moveu-se lentamente por entre a mata. Os pés descalços ressentiam-se do frio, da umidade e do solo irregular. Depois de alguns passos viu, de longe, a casa grande. Estava diferente. A mata a sua volta era mais densa. Os carros em que vieram não estavam mais lá. A teriam abandonado? Sua atenção foi atraída para uma trilha estreita na mata, pelo som de gravetos se partindo. Inexplicavelmente, mesmo tomada pelo medo, correu naquela direção.
Nada viu ao chegar a trilha. Não havia nenhum vento, as árvores pareciam tétricas esculturas e o contraste de luz e escuridão delineava sombrios contornos. Ouvia ao longe o som de pássaros silvestres e outros que não conseguia identificar. Lhe ocorreu que pela tarde deveriam partir. Voltariam à cidade e ao trabalho de todos os dias.
A lembrança daquela estranha casa grande, diferente porém tão semelhante aquela em que estavam, que vira instantes antes, a deixou confusa. Sua mente não conseguia conciliar as informações.
Novamente um som na trilha adiante a fez sair em disparada. Desta vez parecia um murmúrio. Um diálogo sussurrado.
Correu por vários metros e parou sem fôlego. Sua roupa estava úmida e o frio fazia-se sentir impiedoso. Agora podia reconhecer o som. Era na verdade uma lamúria quase inaudível. Moveu-se cuidadosamente pela trilha. Em dado momento teve de embrenhar-se na floresta, fora dela. O coração disparado na garganta. Mal podia respirar. Os pés machucados pela corrida. As pernas fraquejando.
A visão foi estarrecedora. Uma jovem, com roupas antiquadas, deitada no chão e um imenso cão negro a observa-la. De algum modo sabia que a moça estava viva.
O cão voltou seus brilhantes e vermelhos olhos para ela e depois de fita-la por alguns segundos marchou floresta adentro, depois de novamente lançar seu olhar sobre a garota no chão.
Luzia se aproximou e a moça no chão abriu os olhos a um toque dela em sua face.
– Tudo bem – disse Luzia, como que respondendo a pergunta silenciosa nos olhos da estranha jovem.
– Devemos sair daqui. – continuou.
– Eu não tenho como sair. – respondeu a pálida garota, em língua desconhecida, que sem saber como, Luzia compreendeu.
– Como não pode sair?
– Este é meu lugar. Vivo nestas matas ha tanto tempo, que nem lembro de nada antes.
– Como?
– Acho que sempre estive aqui!
– Mas e aquela criatura…
– Vivemos em harmonia, somos como a luz e a escuridão. – explicou calmamente a jovem de cabelos ruivos e nariz fino. O rosto magro lhe dava um ar triste.
– Como se chama? – quis saber, Luzia.
– Não sei.
– Por que estava inconsciente no chão da mata?:
A moça pareceu buscar resposta em alguma parte de seu interior e falou:
– Uma energia ruim. Um mau agouro poderoso me abalou.
– E o cão?
– Apenas guardava-me. Como disse, vivemos em harmonia. Você e seus amigos, devem partir!
– Nós vamos amanhã.
– Agora! – exclamou a garota com urgência na voz e nos olhos.
Nesse momento,. Luzia viu: Os rochedos se desfazendo sob fortes chuvas e rajadas de vento impiedosas; Ela e os amigos tentando desesperadamente escapar do deslizamento sem poder nada fazer; A casa grande sendo destruída; Os carros sendo lançados longe; Gritos, gemidos, som de ossos quebrando.
A casa foi varrida. Desta vez era a casa que ela conhecia.
Viu a si mesma e a seus amigos sob tijolos, lama e rochas. Podia sentir a dor lancinante de todos. Sentia na boca o sabor amargo da morte.
Eletricidade a percorreu por inteiro e pode perceber a ligação com seu corpo a se desfazer.
Em meio a escuridão que sobreveio, reconheceu o rosto da garota. Parecia iluminado. Transmitia profunda paz e calor.
– Vá!
Luzia abriu os olhos. Estava em sua cama. Levantou-se de um salto. Eram seis da manha.
– Vamos! Vamos! – gritava, golpeando violentamente a porta dos dormitórios onde os amigos repousavam.
– Hei! Que droga! – Esbravejava, Gabriel saindo do quarto, sonolento e com os cabelos embaraçados.
– Essa doida aí! O que aconteceu? – perguntou Bárbara.
Lucas pareceu alheio a tudo por uns instantes. Até que Luzia relatou seu sonho. Diante dos amigos incrédulos, Lucas começou a arrumar suas coisas.
– Eu tô vazando! Quem quiser carona, é melhor se apressar. – falou, já com a mochila nas costas e os tênis desamarrados. Uma meia de cada cor. – Eu tive o mesmo sonho. – concluiu.
Quinze minutos mais tarde os carros passavam em alta velocidade pela porteira da propriedade. Chovia muito forte. O som dos rochedos esmagando a casa grande foi assustador. Luzia podia ouvir e lembrar. Assim como Lucas.
Nenhum deles teve coragem de olhar para trás.
O ranger dos ventos fortes por entre as arvores podia ser confundido com o uivo de um animal feroz.
FIM.
Noossa gostei muito do seu conto, porém acho que poderia ir mais fundo. É uma ótima história. Adorei mesmo.
Muito obrigado. O conto ainda pode mudar bastante. Vou ouvindo críticas e depois de algum tempo, as vezes, reescrevo. Grande abraço.
Ficarei muito feliz se voltar, vez por outra e der uma olhada nos novos textos. Tenho como objetivo para 2012 escrever bem mais.